Nesta matéria, você vai acompanhar um pouquinho das histórias que parecem representar a vivência de crianças e adolescentes brasileiros e brasileiras. Segundo o Conselho Nacional de Justiça- CNJ, 47 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos, hoje, no Brasil. E aproximadamente 2.100 vivem em abrigos, no Norte do país. Mas, apenas 8.420 crianças e adolescentes fazem parte do Cadastro Nacional de Adoção – CNA, isso quer dizer que, apenas 17,8% do total nacional, tem possibilidade de encontrar uma nova família. No texto que segue, é garantindo o anonimato das fontes, apenas os nomes dos profissionais legais, assistentes social e psicóloga são reais, assim como os fortes relatos de vida.
Casa-Lar, Casa de Acolhimento, Meu Lar, Meu Cantinho... Estas são algumas das denominações usadas para o tão famoso Abrigo, informa Diemerson Amorim, Conselheiro Tutelar de Santa Izabel do Pará. De acordo com o Conselheiro, a palavra Abrigo já traz um certo temor à criança. “Quando ela é informada que irá para um abrigo, fica com receio, com medo. Essas diferentes nomenclaturas são adotadas também, para que essa criança não seja discriminada na sociedade, pelos coleguinhas e até professores na escola, pois a sociedade ainda tem preconceito quando sabe que uma criança está ou veio de um abrigo”, acrescenta.
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Desenho: Sienny Héria |
De acordo com a Assistente Social do Conselho Regional de Serviço Social do Pará – CRESS/PA, Maria Zolema Costa Furtado, a primazia pela família deve acompanhar todo o percurso realizado pela criança ou adolescente que é encaminhado para Casa de Acolhimento. Esse é um direito garantido pelo Estatuto da Criança e do adolescente – ECA. Para a Assistente Social, o Estatuto é importante, porém precisa está adequado com a realidade. “O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei transversal, isto é, atravessa todas as políticas setoriais públicas. Assim sendo é de suma importância para assegurar direitos da criança e do adolescente em nossa sociedade. Contudo, é muito importante que o ECA seja adaptado à realidade brasileira, para que assim seus artigos deixem o campo teórico e se concretizem na prática. Promovendo assim, de fato, a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes”, explica Zolema.
Existem Lares de Acolhimentos sigilosos e não sigilosos. Diversos são os fatores que levam uma criança ou adolescente a ser levado para uma Casa de Acolhimento. Assim como, também depende da situação vivida por ela, para se saber se ela será acolhida em um espaço sigiloso ou não. Porém, o que é muito importantes saber é que, esses lares, ao contrário do que muitos pensam, existem para resguardar, para proteger essas crianças e adolescentes e não para roubar-lhes a vida.
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Jocilene Rodrigues, Assistente Social do Tribunal de Justiça de Capanema |
A Assistente Social do Tribunal de Justiça da Comarca de Capanema, Jocilene Pinheiro Rodrigues, 39 anos, explica que é garantido à criança ou adolescente o sigilo sobre as informações pessoais quando estão ameaçados de morte, nesse caso podem ser inseridos no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes ameaçados de Morte (PPCAAM). Já quando a retirada da criança ou adolescente do seio familiar, é feita por decisão judicial, mediante grave ameaça a proteção integral por situações de negligência, maus tratos, abusos sexuais, entre outros usa-se a medida de Acolhimento Institucional. Esse tipo de acolhimento é uma medida excepcional, que preconiza a brevidade do acolhimento, reúne estratégias das equipes técnicas e da rede socioassistencial com intervenções junto aos pais ou responsáveis, a fim de superarem a condição de risco que demandou o acolhimento, objetivando a reinserção da criança ou adolescente na família de origem ou inserção em família substituta, explica a profissional.
Este é o caso de Amanda, que ainda não tem nem três anos e já foi levada para uma Casa-Lar, em Santa Izabel do Pará. Sua mãe Adriana, que ainda nem completou a maioridade, também passou pela Instituição, quando foi expulsa de casa aos doze anos, por causa da gravidez. Sendo a mais velha de doze irmãos e sem condições de sustentar a filha, viu a menina ser levada pelo Conselho Tutelar para a Casa de Acolhimento.
Adriana e a filha não são as únicas da família com esse histórico. De família desestruturada econômica e socialmente, todos os irmãos da jovem já passaram pela Casa-Lar. Tatiana, a matriarca, é dependente química e os pais das crianças são ausentes ou desconhecidos. Valéria, a segunda filha, que ainda não completou 15 anos, está grávida do primeiro filho.
Vitória Raiol, 6 anos, apesar de ser filha biológica de Tatiana teve um outro desfecho em sua história. Foi legalmente adotada por uma família que a cerca de amor e cuidados. Quando ainda tinha apenas 6 meses, foi entregue para a servidora pública Maria Lediane Faro, 39 anos, professora da rede municipal de ensino na cidade de Santa Izabel do Pará e seu, então esposo, Vagner Raiol. A esta altura, o casal ainda não havia movimentado meios legais para a adoção da criança. Conforme a atual família de Vitória, não foi fácil conseguir sua adoção em definitivo, pois quando a criança estava gordinha e saudável, com 1 ano e três meses, Tatiana veio buscá-la novamente. “Já estávamos completamente apaixonados pela menina, sentíamos muita falta dela e meu ex-marido chorava com saudades”, afirma Lediane.
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A nova família de Vitória. Acima com Lúcia (avó), Lediane (mãe) e Vagner (pai). Abaixo com os irmãos Maycon e Marlon respectivamente |
De acordo com o casal, certa vez decidiram pegar Vitória para passar um fim de semana com eles e quando Vagner foi levá-la de volta foi surpreendido por Tatiana que disse a ele que, se não ficassem com a menina, ela iria abandoná-la na beira da estrada. Decidiram então acionar e Conselho Tutelar e deram entrada no pedido de adoção formal. “Nós não queríamos correr o risco de novamente ficar sem ela, já que é costume a mãe dar os filhos de boca e depois que estão com uma certa idade ir buscar de volta”, afirmaram.
Carollina não teve a mesma sorte. Abandonada pelos pais, passou a infância e parte da adolescência em um Abrigo da Região Metropolitana de Belém. Foi adotada por uma família quando já tinha 16 anos, mas a alegria de ter uma família durou pouco. A mulher que a adotou passou a deixá-la presa em casa, não podia sair nem para estudar e a espancava quando alguma tarefa doméstica não estava de seu agrado. A jovem só teve um pouco de tranquilidade quando os vizinhos denunciaram a situação de cárcere privado. “Por uns dois meses tive paz, mas logo tudo voltou a ser como antes. Ela me batia na cara, pra ficar marcado. Ela não queria uma filha, queria uma empregada doméstica que fizesse as coisas sem ter que pagar. Fugi e fui cuidar de minha vida”, relata Carol, ao dizer que não voltou para o abrigo com medo de que mandassem ela de volta para a família que a adotou.
A psicóloga Dalízia Amaral Cruz, Doutora e pós-doutoranda com pesquisa na área de acolhimento institucional, atua em uma instituição de acolhimento em uma cidade próxima de Belém. Conforme ela, as pesquisas mostram que existem implicações significativas para o desenvolvimento socioemocional e cognitivo de crianças/adolescentes que são retiradas do contexto familiar e acolhidas institucionalmente. Tristeza, choro, dificuldade para dormir, ansiedade, agressividade são alguns dos exemplos. Contudo, os impactos podem ser minimizados se a condução de tal afastamento for realizado, considerando a obrigatoriedade da informação, mas é necessário ter sensibilidade e não ser feita de qualquer forma.
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Dalízia Amaral. Psicóloga, Pós-Doutoranda com pesquisa na área de acolhimento institucional |
Para a psicóloga, nenhuma criança ou adolescente deve ser afastado do contexto familiar sem que os pais também sejam informados a respeito da decisão, para que possam juntos com a equipe técnica conversar com a criança/adolescente e explicar o motivo de ser encaminhada para outro ambiente, pois de acordo com o artigo 100, inciso XI do ECA, a criança e o adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa. Para a profissional, quando uma criança ou adolescente é acolhido, a sua família também deve ser acolhida ao invés de culpabilizada, pois muitas das vezes essa família também é negligenciada pelo Estado. “Então, penso que na verdade a maior implicação negativa para o comportamento da criança ou adolescente é a forma como são retiradas de suas casas, na grande maioria dos casos, pelo conselheiro tutelar, que constantemente utiliza de subterfúgios (pretextos como forma de evitar dificuldades) para levar a criança/adolescentes para o serviço de acolhimento (Casa-lar ou Abrigo institucional) sem maiores questionamentos. . Atitudes como essas, sim, têm impactos negativos no comportamento, e que estão longe de serem ações protetivas. Mas, a experiência do acolhimento, ao ser incorporada como tantas outras experiências, e a partir de um atendimento e acompanhamento qualificados, pode ser reparadora para muitas crianças e adolescentes, que poderão sem amargura contar que uma vez “moraram” em uma casa com outras crianças, adolescentes e adultos”, afirma a Doutora Dalízia.
Esse acolhimento reparador aconteceu com os irmãos Pedro e Paulo. “Quando chegaram aqui eles eram muito estressados, nervosos. Ninguém podia dizer ‘não’ que abriam o berreiro e dava vergonha, medo das pessoas pensarem que estavam apanhando. Agora não, já estão mais tranquilos e mais disciplinados”, afirma dona Lindalva, avó dos gêmeos. Seu Ricardo e Lindalva estão com a guarda provisória dos netos.
Após verificarem que as crianças estavam correndo risco, por causa da negligência da mãe, acionaram o Conselho Tutelar que constatou a veracidade da informação. A justiça decidiu então que, até que a situação se resolvesse as crianças deveriam ficar com os avós paternos.
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Desenho: Sienny Héria |
“Estamos cuidando deles, mudamos nossas rotinas completamente, mas que avós seríamos se não acolhêssemos eles? Queremos muito que a justiça dê a guarda para o pai, pois a mãe abandonou mesmo eles, não vem nem visitar os filhos. A última vez que veio nem ligou pra eles, só veio porque nós ligamos pra ela vir resolver uma situação de documentos. Ela chegou, assinou e foi embora, nem ligou pros filhos”, informou Ricardo.